As palavras de Zul Mak perfuravam a mente de Orpheus como uma lança dilacera uma maçã. Aos poucos descia o corpo de Ignus, a pedra templariana que mantinha seu ser unificado trincara e agora começava a se despedaçar, partes de sua carne se revelavam pelas brechas ocultas pelos lindos tecidos ornamentados que um dia havia lhe dado, agora estes mesmos estavam sujos envoltos em uma camada espessa de poeira, lama e sangue. Uma das feras ao seu redor ansiava por devorar o guardião e aos poucos se aproximava do mesmo. Poupara-o de sua lâmina de certo, mas a encarnação do mal o reivindicava. Poderia salvá-lo, mas deveria? A o demonio caminhava a passos lentos na direção da pedra onde Ignus estava recostado, dentes afiados a mostra e uma presença maligna que era perseguida por uma fome insaciável. Orpheu olhava com o canto de seus olhos para o jovem feiticeiro a sua frente e percebia cada músculo de seu corpo se retestando, "A força da indecisão" pensava, "Ela também me acomete".
- Ignus Loratus falhou miseravelmente em sua missão, eu o enviei ao mundo físico para que pudesse avisar seu povo da chegada eminente da Conversão, mas ao invés de cumprir com seu dever partiu em direção a vingança. Procurou confronto, caçou e tentou eliminar meu tio Siellis Orsus, que um dia havia matado sua amada em frente aos seus olhos, e não apenas isso, reanimado seu corpo a forçando a lutar contra Ignus. Eu lhe salvei de uma vida lúgubre, uma vida de crimes, lhe dei um propósito maior, a força do bem comum para servir. E é assim que me retribui! Se ajoelha perante mim como se nada tivesse ocorrido. Veja Ignus Loratus, o caos que liberou sobre o mundo - Utilizava sua mente para mover a cabeça de Ignus em direção a enorme possa negra que estava no meio do jardim, a possa tomava a forma de um enorme espelho, aos poucos a água negra mudava e mostrava imagens. Uma guerra de escalas sem precedentes, uma batalha destrutiva onde homens, mulheres, crianças e animais sofriam e pereciam um atrás do outro. Na face de Ignus uma única lágrima escorria por seu rosto - Arrependimento Ignus... Um dos venenos da alma, as feras a sua frente são os Demonios Juramentados, eles caçam aqueles que rompem promessas sagradas, assim como a que você fez em frente ao túmulo dos Zoradrim, eles agora anseiam por reinvindicar sua alma, para que apodreça para sempre no shinu, sem forma, sem vida, mudo, cego e surdo. Era meu dever matá-lo, mas escolhi não faze-lo, eu poderia salva-lo... - Orpheus olhava para Zul Mak - Mas eu escolho não fáze-lo, sinto muitíssimo....
Aos poucos se virava para longe da direção onde seu antigo aprendiz estava, abaixava sua cabeça, sentia um pouco de pesar, mas era um monge, logo abandonava esse sentimento, Ignus havia feito sua escolha, e ele, havia feito a dele. As feras avançavam, sua sede de sangue era sentida por todos. Ele jurara nunca mais deixar que seus sentimentos superassem sua razão, este foi seu voto mais sagrado, por conta de seus sentimentos a pessoa que o trouxera a aquele mundo, havia perecido, tentando salva-lo.
Faziam vinte anos, ele aos seus curtos dezessete anos contrariava as ordens expressas de seu pai de não adentrar o território maculado do Culto de Rattash. Mas ele acreditava que poderia haver paz entre a ordem e esta organização, o sangue dos Stalker manchava o solo, e apesar da decisão de seu pai de não tomar partido no combate ele decidira no calor de sua juventude faze-lo. Ele encontrara o líder do culto Hiruku sobre um pequeno morro nos arredores da cidade de Taranis, capital dos Zyren, ali ele suplicara que o derramamento de sangue cessasse, já perdera muitos amigos, e não gostaria de perder ainda mais. Ele se lembrava, como uma sombra, logo atrás dele, a visão pétrea e fria de seu pai furioso. Como um leviatã enlouquecido Gurien Orsus o pegara pelas costas e o arremessara contra um pedregulho afiado, a rocha pontiaguda perfurara seu pulmão direito e quebrara todas as suas costelas.
Seu pai se aproximara e dissera "Nenhum Orsus se ajoelha, e muito menos implora pela vida daqueles que não lhe interessam. Não me tome como um tolo Orpheus, você suplicou a mim que adentrasse a guerra e terminasse com o banho de sangue, pois farei, mas a custa da sua vida, aqui e agora...".
Antes que pudesse finalizá-lo os guardas do palácio juntamente com sua mãe haviam alcançado Gurien e ele. Ela calmamente se aproximara e colocou-se entre ele e seu pai, com calma curou as feridas graves que sofrera, uma veia latejava na testa de Gurien, ele se lembrava, sua mão se fechava em torno do punho da espada, mas ele nada fizera, não por medo, mas por respeito, seus homens ali estavam, não iria permitir que seu nome fosse manchado, Gurien aquele que ataca uma mulher desarmada que mal nenhum lhe fez.
"Ele tem que morrer, uma suplica junto ao líder dos Orsus nunca pode ser retirada, um líder não volta atrás, eu acolhi o pedido dele, e lhe dei meu preço uma vida deve ser tirada em nome da PAZ."
Sua mãe lhe dera um beijo quente na bochecha, as lágrimas escorriam por seu rosto, antes que se voltasse ao seu marido ela lhe dissera calmamente em seu ouvido "Nunca desista, a verdadeira natureza humana não é o mal, procure a verdade no surreal."
Ela se erguerá, limpara as lagrimas, e com toda a coragem que pode reunir olhara bem no fundo de Gurien, "Se uma vida deve ser tirada então ofereço a minha, o código dos Orsus diz exatamente que em caso de abatimento um sacrifício voluntario pode ser feito, e não pode ser recusado."
"Sacrificaria a si mesma? Abandonaria seu outro filho por ele?" Dissera Gurien indignado, uma pitada de dor o acometia, ele ainda a amava, mas aquele amor estava prestes a desaparecer, ele se lembrava....
"Meu outro filho foi tomado de mim pelo pai, moldado em uma monstruosidade igual a ele, Orpheus, é e permanecerá sendo meu único filho Legitimo, Lyken é seu filho, e assim foi desde seu nascimento. Se algum dia sentir falta da mãe, que os deuses o abençoem pois ele recobrou as virtudes que tentei incuti-lo, até este dia ele é tão bastardo para mim quanto seu imundo Zyren".
Gurien respirou fundo, uma sombra envolvia sua face. Ele tentava dizer algo, mas as feridas ainda doiam, estava curado percebia, mas sua mãe o havia silenciado, por tempo o suficiente, para que não, a impedisse. "Que assim seja". Ele proferiu, e sua espada se ergueu e desceu com uma leveza digna de seu posto, uma morte limpa seu pai lhe dissera, indolor, uma piada sem graça. Não chegara a ver o rosto da sua mãe, quando encostou no solo, o pai a fez desaparecer, seu enterro ele nunca veria. Gurien caminhou na direção de Hiruku, mais cedo Orpheus lhe implorará que se unisse aos Stalker e acabasse com as ambições do Culto, mas ele sempre fora um homem cuidadoso, que ninguem diga que o grande Gurien não cumprirá com sua palavra, ele traria a paz, mas não da maneira que seu filho tolo desejava, ele faria exatamente o oposto, e o veria sofrer com o sangue de seus entes queridos e amigos sendo derramado. A Hiruku ele dissera "Meu filho deseja a paz, o embate esta balanceado os Zyren são pressionados pelos outros clãs e o Culto ameaçado, mas, Com a força dos Orsus ao seu lado a guerra será sua a ser vencida, eu lhe ofereço Hiruku pelo preço da morte de minha própria esposa, a pedido de meu filho, minha aliança. Quanto a você, esqueça que um dia carregou meu nome ou minha bandeira, se em um minuto ainda estiver em território dos feiticeiros, eu irei matá-lo. Uma pena que ela teve que pagar o preço você sempre foi o pior, não importa. Seu irmão fará aquilo que você nunca seria capaz de fazer."
Nem um olhar, apenas um aperto de mãos. Por um segundo, ele pensou em ficar e em encontrar a morte pelas mãos de seu pai, mas a menor das pessoas o impediu, seu irmão mais novo, o bastardo, o levantou pelos ombros magros e com calma disse, "Viva, para lutar mais um dia, em nome de algo melhor e maior, algo maior do que esta podridão, não torne o sacrificio dela em vão...." Então corri, corri como se não houvesse um amanhã, pois não havia, não para Orpheus Orsus, ele era agora apenas.... Daeron o Esquecido, nome que utilizaria por muitos anos, até o presente.
- Você diz que lembrar é parte do presente Zul Mak, mas relembrar é um veneno, que ataca a mente e destrói o pensamento. Neste mundo só existe aquilo que é racional, os que se deixam levar pelos sentimentos... infelizmente...perecem...- Dizia olhando com pesar para Ignus
- Tudo oque eu fiz, não importa quão cruel... ou... frio... foi por ela... eles tiraram ela de mim.... se motivo algum.... eu lutei .... lutei contra meu destino.... me desculpe mestre.... faça oque tiver que fazer comigo.... - Dizia Ignus com sua voz tremula e fraca, lágrimas escorrendo pela sua faça coberta pela pedra, o sangue jorrava de seus olhos com força - Eles usaram ela contra mim... eu jamais me esquecerei... do sorriso dela... do cheiro doce de sua pele macia....me mate... desde meu nascimento... nada mais fui... do que uma faca de dois gumes... que machuca a vitima e o ofensor... me mate mestre se for preciso....
As bestas avançavam com ainda mais vigor, a reação de Ignus as havia incitado. Um homem insistente de fato, ele podia ver isso agora. Uma qualidade ou um defeito? Que o tempo lhe dissesse. "Parem" dizia Orpheus para as bestas, as mesmas rugiam indignadas, mas com um olhar mais severo recuavam deixando o guardião em paz. Se aproximava dele e posicionava seus dedos no fronte de sua testa e com um suspirar a pedra templariana se refazia, Ignus adormecia em um pequeno lençol de grama que ele criava, ali se recuperaria para a batalha que viria. Seu mestre sempre lhe dissera que perdão era uma dádiva dada a poucos, a segunda chance enobrecia alguns homens, mas poderia revelar oque havia de pior em outros, uma aposta de risco. Ignus havia conquistado isso, não por conta própria, ele se voltava para o feiticeiro que ali observava tudo, os sentimentos que Zul Mak havia demonstrado, nobreza, generosidade e piedade haviam motivado-o a poupar o guardião. Mas ali estavam eles, analisava o homem a sua frente, parecia muito perdido, não era para menos.
- Fui eu Zul Mak, quem lhe trouxe aqui, Ignus pelo visto lhe explicou oque é este mundo, mas não creio que o tenha demonstrado seu proposito final. Eu lhe trouxe aqui com uma meta em mente. Eu desejo algo de grande importância, para que esta Conversão Harmônica seja bem sucedida, e para que as forças das trevas que rondam estes reinos sejam empurradas mais uma vez é necessário que tomemos ações rápidas e imediatas, ações que devem ser lideradas pelo "Zoroastra", o maior campeão dos Zoradrim. É meu dever como o ultimo Zoradrim Vivo escolher o próximo Zoroastra, e acredito em suas virtudes, por essa razão desejo trazer esta responsabilidade aos seus gracejos. Oque me diz? Me ajudaria a salvar este mundo e todos os outros?